domingo, 11 de agosto de 2013

Roteiro Afrodite Nise + Pesquiza Amoral

Afrodite Nise

“E ela, naquele afã, mudando modo e direção
do nado, virava-se na água, observava-
-se em todas as luzes, contorcia-se sobre si
mesma; e sempre aquele ofensivo corpo nu
lhe vinha atrás. Era uma fuga do seu corpo
o que ela estava tentando...”.
[“Aventura de uma banhista”, Ítalo Calvino]
  
Roteiro para apresentação Abertura da Vênus no Hospital Nise da Silveira.

Acima de tudo a primeira pergunta a que nos fazemos : o que é o amor? Como associamos a animalidade, a consciência e a humanidade (de se por aos afetos, aos erros e desatinos) do amor. A proposta é ensaiar o mundo cosmogônico do amor, visto por olhos grego-ocidentais, sua aplicação moral no cotidiano e o nosso salto que permite novas criações amorosas.
 E confundir os conceitos, é trazer a tona sua duplicidade de sentidos, além de testar os papeis profissionais a que eu estudo: professora, pensadora e performer. Não só com as pessoas que se dispõem a ir ao Sarau, mas também avaliar meu papel de mediadora de forças e energias com os pacientes. Avaliar as sensibilidades, inteligências e potencias que singularmente as pessoas tem dentro delas mesmas, não importando sua “cultura”, ou “educação” ou mesmo “normalidade”.
 Durante a contação de histórias, disponho de alguns elementos sensoriais, a escuta do mar, o tato com as conchas e o cheiro de óleos e perfumes. O objetivo é criar um mar, uma outra natureza para além do hospital, encarcerado de imagens e paisagens, uma outra natureza livre.
 O nosso mito é o nascimento da Afrodite. A deusa do Amor na cultura antiga grega. Influenciou a representação estética feminina no cristianismo, no Renascimento e até hoje mostra reflexos no cotidiano de sua ficção moralizante.
 O ensaio começa com o poema Teogonia, de Hesíodo:
Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também
Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre,
dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado,
e Tártaro nevoento no fundo do chão de amplas vias,
e Eros: o mais belo entre Deuses imortais,
solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos
ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.
Do Caos Érebos e Noite negra nasceram.
Da Noite aliás Éter e Dia nasceram,
gerou-os fecundada unida a Érebos em amor.
Terra primeiro pariu igual a si mesma
Céu constelado, para cercá-la toda ao redor
e ser aos Deuses venturosos sede irresvalável sempre.
Pariu altas Montanhas, belos abrigos das Deusas
ninfas que moram nas montanhas frondosas.
E pariu a infecunda planície impetuosa de ondas
o Mar, sem o desejoso amor. Depois pariu
do coito com Céu: Oceano de fundos remoinhos
e Coios e Crios e Hipérion e Jápeto
e Teia e Réia e Têmis e Memória
e Febe de áurea coroa e Tétis amorosa.
E após com ótimas armas Crono de curvo pensar,
filho o mais terrível: detestou o florescente pai”

Toca Anakrousis (musica grega antiga). Balanço um pouco a bacia. Olho por entre os sujeitos. Espero o silencio que for, o silencio necessário. Conto a história de um simpósio – explico que simpósio é uma espécie de competição de argumentos, onde o deus do vinho é o juiz e a todos é dada uma dose de vinho – e o simpósio que vou contar é sobre o amor. Cada convidado dá sua própria perspectiva sobre o amor.
Conto rapidamente sobre o romance entre Alcebíades e Sócrates.
Relembro o poema de Hesíodo e o porquê de estar falando deste simpósio: um dos convidados fala sobre Afrodite. Aqui é dupla. É Urânia (a que é contada por Hesíodo) responsável pelo amor intelectual: o saber erótico, ou melhor, a pedagogia pederasta, onde o mestre ancião passa o saber teórico e prático do amor para um jovem. A outra Afrodite é Pandêmia – que em grego significa popular – filha de Dione e Zeus, protege os amantes e ama a todos, refere-se especificamente para o sexo. É evidente que Platão diferencia e moraliza essa perspectiva amorosa.
O que no cristianismo ocorre plenamente. (Mostrar a imagem do Botticelli). O corpo, sua animalidade, expressão de imprevisível afeto é negado, colocado a um lugar chamado loucura. Aqui podemos tomar como exemplo a tabela que o Panofsky coloca no seu livro ensaios de iconologia, onde assemelha o ato sexual ao da loucura.
Huberman (autor de Ouvrir Venus) nos traz o conceito de Isolação, proposto por Freud. Isola-se para esconder o que nos trás a animalidade, a finitude, a morte, o caos. Escondendo para reafirmar através de uma tradição de conceitos o que se considera como belo e bom. (Mostrar o conceito de isolamento).
Por fim, quais seriam as nossas Afrodites contemporâneas? (Mostrar Doce Amianto). Desta vez, não mais separando as Afrodites, mas juntando-as no que hoje se chama de trans.
Depois da fala, faço um banho terminando a playlist. Um banho para trazer mais amores, mais liberdades, mais fé no caos afetivo, nas partículas de fuga, nos errores e afetos.



Nise da Silveira

(Uma homenagem, um singelo cheiro, um site-especific, um ateliê) [1].Pesquiza Amoral


Estrategicamente esta pesquisa amoral será a mais realista possível. As perguntas buscarão criar um mapa que descreva a imagem mais precisa e detalhada sobre o Hospital Nise da Silveira. Desta vez é o real que vai nos presentear com suas imagens fantásticas, estrangeiras ao senso comum, ao que se é considerado “normal”. Por outro lado, o tom político desta pesquiza é apreensão (entendido aqui no sentido de preocupar, também de perceber e descobrir) como o hospital é gerido, tratado, como os enfermeiros trabalham se há condições, no final, com a pergunta constante: o que é liberdade? Há esperança? Há luta? Como resistir?

Questões

    1)    Você é um cliente[2]? (O que você acha desse nome?).
Caso sim:
1.1)  Por que você está aqui? Como você avalia o tratamento do hospital? Quais seriam as principais reclamações? E o que você mais gosta daqui?
Caso não (se for trabalhador a pergunta se direciona para as condições de salário e infraestrutura):
1.2)  Por que você está aqui? Como você avalia o tratamento do hospital? Quais seriam as principais reclamações? E o que você mais gosta daqui?

     2)   Como é a sua rotina? Como é o seu real?
(o seu tempo é bem administrado?).

     3)   E o amor / mar? Sobre os elementos da natureza: o sentimento e a paisagem, que compõem esse estado de graça, que alguns encaixotam como prazer, desejo, ou melhor: viver...
Qual é o seu desejo?

Pergunta extra: De 0 a 10 o quanto curtiu a Pesquiza Amoral?







[1] Palavras-chave que definem não só a continuação da luta antimanicomial gerado pela Nise, um relato de carinho e de primeiras palavras, já que este relato comenta o primeiro trabalho a ser apresentado.
[2] Por se tratar do Hotel da Loucura, alguns pacientes são chamados de clientes. A pergunta segue ampla e (ao vivo comentarei) sobre a sociedade de consumo e se afinal não somos todos clientes (ou melhor escravos) de um sistema.

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