segunda-feira, 3 de julho de 2006

Cronicas de Esbornia. parte III

ANDAR DE ÔNIBUS
Andar de ônibus nos traz a sensação de ver varias historias através da janela. Rostos que não conhecemos e que através da estética descobrimos ao menos umas pistas, estranhas por vezes, é verdade.
Foi nesse pensamento que percebi uma mulher andando nove e meia da noite passeando com dois cachorros, em rua nada confiável. O sinal fechou e aí pude analisá-la de forma mais atenta. Tinha um semblante triste e preocupado, os cachorros cheiravam o chão, despreocupados. Pela roupa percebi que era discreta e daquelas esposas donas-de-casa. Pude então formar uma opinião pensei primeiro no mais melodramático e escatológico. Ela saiu de casa tarde, na desculpa de sair com os cachorros, para formar um plano, o marido devia estar dormindo ou bêbado ou cansado do trabalho. Plano de fuga, de matar o marido que a bate e trai. Ou matar a amante que por acaso é a vizinha, ou então saiu na desculpa de sair com os cachorros para ver se o marido a trai. Mil possibilidades, ela mesma podia ter um amante e planejar uma futura separação, filhos envolvidos em drogas e para isso ela os seguisse para ver se iriam comprar algo ilícito. Tentei não pensar em clichês, mas como não pensar quando vemos um semblante preocupado como o dela, por vezes olhando o chão e o céu como se fossem coisas terríveis.
O sinal abriu e eu a esqueci.
Parou num ponto que era numa praça, percebi que uma mulher me olhava quando fui ver era uma linda mulher, entretanto albina! Ela me encarava com uma indignação típica de quem é perfeita e por causa de um único cromossomo a sua perfeição estética se estragou – por assim dizer – olhava para mim percebendo o nariz afilado e os olhos negros e senti uma inveja estranha por parte dela, pensei que ela estivesse pensando que como tinha azar na vida, logo albina e sem poder mostrar seus verdadeiros atributos. É claro que não defendo esta tese de que o corpo e a aparência são vitais para o ser humano, ajudam, e muitas pessoas ainda crêem na tese de que ser belo é ser bonito, mas ser belo é ter virtudes como a honestidade, a liberdade, amizade e muitos “ade”. O que quero especificar que quando percebemos estas e muitas outras virtudes a pessoa dita feia pela moda acaba se tornando bela, belíssima. Houve uma época que ser gorda era um privilegio de poucos e por isso mesmo o ideal de beleza, hoje é o oposto. Então para os bonitos digo uma coisa: sejam o que vocês são, tão simples, para os feios: parem de ir a academia na tentativa de se tornar belo, salão de beleza é uma saída também que não é boa, cultuem os corpos como alguém que cultua uma boa torta de limão, sem preocupação... ah... tô me encanando muito com esta história. Bem sei que foi por causa do olhar dela. Imaginei que como estava sozinha, algum idiota deve ter soltado uma piada grossa, do tipo “ô, gostosa albina, vem pro papai aqui.” Isto além de revoltante dá uma raiva por que os rapazes que ela deveria desejar não estão nem aí por ela ser albina e vem uns escrotos desse e estragam a noite de uma bela mulher.
Virei o rosto para não a olhar mais.
Entraram uns homens ignorantes bêbados enxeridos chatos e sentaram logo na cadeira atrás de mim, ficaram frescando com o meu cabelo – por ser curto – tentei me concentrar na rua, não ouvia o que eles diziam, lembrei-me da Amélie Polan, no seu filme, lindo. Mais uma vez o sinal parou e olhei ao longe um casal numa bicicleta, os dois extremamente magros, não sei vocês, mas eu reconheço noieros (fumadores de crack) de longe. E este casal era típico casal noiero, a mulher usava uma blusa uns três números maiores e parecia feliz ao lado do amado, saciada, paciente como se tivesse acabado de conseguir algo valioso, dinheiro, nóia. Ela me olhou e soltou um sorriso, não tinha tantos dentes, mas tinha algo que poucos tinham no sorriso, por enquanto não sei descrever. Ele beijou o pescoço dela quando o sinal abriu.
Enfim cheguei ao destino e quando cheguei ao chão percebi que depois de tentar adivinhar tantas historias de algumas pessoas era a minha vez de decidir a minha.

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